20 de outubro - Matripotências cerradeiras: decolonialidades do Cerrado Central do Brasil
Tania Rezende
O Cerrado é o maior e mais degradado bioma do Brasil. Apesar disso, a Constituição Federativa do Brasil o ignora e negligencia, quando prevê, no Art. 225, o direito ao meio ambiente equilibrado, facilitando sua depredação. Entretanto, abre uma brecha, ao prever no § 1º que “Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público”, dentre outras atribuições, “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Para que a educação ambiental seja efetivada, no Cerrado, é fundamental o conhecimento dos saberes e das linguagens desse bioma, bem como da constituição das malhas enunciativas de suas guardiãs, teceladas na dialogia do cuidado, do comunitário e da reciprocidade. O Cerrado é nosso corpo sagrado, nosso avô, nosso velho maltratado bisavô, cheio de segredos e mistérios, nos contando suas tantas antigas histórias. Para entender seus segredos e mistérios temos de saber escutar seus cochichos e assobios de entre as grotas e veredas, piar dos pássaros, a sinfonia dos bichos, a sabedoria das plantas, as mensagens das águas. É preciso saber desvendar a magia das palavras encantadas de suas guardiãs, as curandeiras, rezadeiras, benzedeiras, parteiras, raizeiras e erveiras, que com suas mãos calejadas e enrugadas partejam saberes de curas, tecendo histórias que as escolas e os livros não ensinam. O Cerrado é uma grande biblioteca e cada anciã e cada ancião é uma enciclopédia, que nem as enchentes repentinas ou as secas prolongadas, nem o fogo profundo ou a incessante degradação destroem, porque ele é resistente e toda vida que há nele aprendeu a resistir. As mulheres cerradeiras são a resistência – ao tempo, à violência e às intempéries. A linguagem encantada da mulher cerradeira é potência que traz à vida e cura dores da vida, é matripotência cerradeira. Meu objetivo, nesta discussão, é compartilhar vivências para trocas e afetos, que nos possibilitem dialogar sobre as linguagens e os conhecimentos do Cerrado Central e sobre como suas linguagens e conhecimentos, ainda ignorados pela maioria dos(as) brasileiros(as), podem contribuir para uma efetiva educação linguística e ambiental fundamentada numa ética étnica que enfrente a ainda dominante patriz moderna colonial.